2020-05-15
COVID-19: CNPD esclarece as sua orientações sobre recolha de temperatura corporal e de outros dados de saúde dos trabalhadores à luz do quadro legal

 

por: Ana Rita Calçada & Letícia Antunes Duarte

Na situação de calamidade pública resultante do novo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença Covid-19 em que nos encontramos, têm sido levantadas algumas questões relativas ao plano laboral, nomeadamente quanto à recolha de dados de saúde pelas entidades empregadoras aos seus trabalhadores.

 

Neste âmbito há que salientar que não foi publicado nenhum diploma de aplicação excecional até 1 de maio, mantendo-se a aplicação dos artigos 16º, 17º e 19º do Código do Trabalho, bem como o Regime Jurídico da Promoção da Segurança e Saúde no Trabalho previsto na Lei n.º 102/2009, de 10 de setembro, e o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados.

 

Não obstante, as entidades empregadoras, dada a necessidade de adotar medidas preventivas do contágio, têm adotado a medida de recolha e registo de dados relativos à saúde e de vida privada dos trabalhadores suscetíveis de indiciar infeção pelo vírus, designadamente, a temperatura corporal ou de outra informação relativa à saúde ou de eventuais comportamentos de risco dos seus trabalhadores.

 

Por conseguinte, dada a peculiaridade dos tempos em que se vive e o conhecimento de tais práticas e medidas estabelecidas pelas entidades empregadoras, a Comissão Nacional de Proteção de Dados, no exercício das suas atribuições e competências, definiu orientações para garantir a conformidade dos tratamentos de dados de saúde e da vida privada dos trabalhadores com o regime jurídico de proteção de dados.

 

Antes de mais de salientar que os dados pessoais relativos à saúde são dados sensíveis, demonstrativos de aspetos da vida privada dos trabalhadores que não têm de ser do conhecimento das entidades empregadoras, nem devem sê-lo por poderem gerar discriminação, motivo pelo qual se encontram sujeitos a um regime jurídico especialmente reforçado de proteção de dados.

 

Ora, a referida recolha de dados de saúde ou da vida privada dos trabalhadores encontra-se proibida, exceto se através de profissional de saúde sob a égide da medicina do trabalho, no que encontra ainda fundamento de legitimidade no artigo 9º nº 2 alínea h) do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados.

 

Outrossim, as entidades empregadoras podem adotar medidas de intensificação dos cuidados de higiene dos trabalhadores, como a lavagem de mãos ou o uso de máscaras, ou medidas organizativas quanto à distribuição no espaço dos trabalhadores, conforme o estabelecido nas orientações da Direção Geral de Saúde.

 

Conclui-se que a necessidade de prevenção de contágio pelo novo coronavírus não legitima a adoção de toda e qualquer medida por parte da entidade empregadora, neste momento (pois desconhece-se se irão ser emitidos diplomas ou orientações em sentido contrário de futuro), podendo apenas ser recolhidos dados por profissional de saúde no âmbito da medicina do trabalho para avaliar a aptidão para o trabalho, exceto se tiverem sido ordenadas pelas autoridades administrativas competentes.

 

No entanto, em sentido diverso, o Decreto-Lei nº 20/2020, de 1 de maio, que altera as medidas excecionais e temporárias relativas à pandemia da doença COVID-19, veio, no seu artigo 13º-C, permitir, sem possibilidade de registo, a medição da temperatura dos trabalhadores pela entidade empregadora para efeitos de acesso e permanência no local de trabalho, podendo ser impedido o trabalhador de aceder ou se manter no local de trabalho caso tenha uma temperatura superior à normal temperatura corporal.

 

Após entrada em vigor do diploma supramencionado, e na sequência do requerimento 19/XIV (1.ª) EI, subscrito pelo Senhor Deputado Telmo Correia, do Grupo Parlamentar do CDS-PP, e dirigido à Comissão Nacional de Proteção de Dados, relativo às Orientações sobre recolha de temperatura corporal supramencionada, veio a referida entidade emitir, em 12 de Maio de 2020, resposta às questões levantadas.

 

Na sua resposta, a Comissão Nacional de Proteção de Dados veio clarificar a sua posição, mantendo-a e salientando que o regime de tratamento de dados de saúde e da vida privada dos trabalhadores se preserva no âmbito da presente pandemia e se aplica a todos os trabalhadores, não só quanto à medição da temperatura corporal.

 

No que se refere à medição da temperatura corporal dos trabalhadores, a Comissão Nacional de Proteção de Dados veio salientar a recomendação da Direção Geral de Saúde de automonotorização da mesma pelos próprios trabalhadores, bem como efetuar uma breve analise do artigo 13º-C do o Decreto-Lei nº 20/2020, de 1 de maio. Quanto a este diploma, defendeu que não contém o grau de precisão e previsibilidade que é exigível em normas restritivas de direitos, liberdades e garantias.

 

As razões apresentadas para a falta de precisão e previsibilidade são as seguintes: (i) falta de definição da temperatura-padrão a ter em conta; (ii) falta de regulação dos efeitos e possibilidades de atuação do trabalhador impedido de aceder ou manter-se no local de trabalho; (iii) falta de possibilidade de acesso à baixa pelo facto do trabalhador não ser dado como não apto para o trabalho por profissional de saúde; e (iv) o despropósito de se remeter para autorização ou consentimento do trabalhador para o registo perante tal poder da entidade empregadora.

 

Finalmente, a Comissão Nacional de Proteção de Dados demonstrou a sua disponibilidade para colaborar com as autoridades para delinear, quanto aos tratamentos de dados pessoais, soluções adequadas a cumprir as finalidades de saúde pública e que sejam o menos restritivas possível da privacidade e da liberdade dos cidadãos.

 

 

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